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TRANSFERÊNCIA E CONTRATRANSFERÊNCIA A INTERLOCUÇÃO DAS TEORIAS:

  • Patrícia Buranello
  • 24 de jun. de 2019
  • 9 min de leitura


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Este trabalho iniciou-se através dos conceitos teóricos estudados (Psicanalítico, Analítico Junguiano e Gestalt-terapia). Para a teoria Psicanalítica, a transferência é o vínculo afetivo que se instaura de forma automática entre o analisando e o analista através de projeções, podendo ser positivas e negativas, possibilitando ao cliente a trabalhar suas emoções. Talvez a transferência seja considerada como o conceito mais significativo na terapia psicanalítica, e uma das descobertas mais importantes de Freud estando relacionada à reação emocional do analisando frente ao analista. Inicialmente Freud acreditou que a transferência fazia reviver – pelo menos em parte – núcleos não resolvidos do Complexo de Édipo, levando assim o analisando algumas vezes a amar e outras a odiar, o analista – independentemente do que este tivesse feito para merecer tal afeto ou não. “A situação analítica determina no paciente uma ‘repressão infantil’ e faz com que veja no psicanalista um símbolo do primeiro ‘objeto’ amado (pai ou mãe) transferindo para ele todas as necessidades de proteção, carinho e gozo insatisfeitos”. (Lopez, 1964 ) Em qualquer relacionamento humano é inevitável a transferência positiva e negativa, de vez que todos os sentimentos podem ser reduzidos as expressões das emoções de amor e ódio. Assim, a transferência positiva expressaria os sentimentos de amor pelo analista, geralmente nas manifestações indiretas, por exemplo, gostar do analista, confiar em seu discernimento, desejar colaborar, etc. A transferência negativa, fundamentada no ódio, seria manifestada pela desconfiança, inveja, competitividade, crença de que o analista não gosta do analisando; que, em algum momento, vai traí-lo ou rejeitá-lo.

De acordo com a Psicanálise, uma análise não está bem desenvolvida se não são analisados os dois tipos de transferência. A importância da transferência é que ela esclarece o relacionamento do cliente com o indivíduo que o terapeuta representa. O cliente vem reagir como se o terapeuta fosse realmente a outra pessoa e, portanto, interpreta o comportamento do analista conforme seu conceito da pessoa contra a qual reagiu originalmente. Fatores inconscientes importantes são, por conseguinte, revelados, não apenas pelas associações livres e sonhos, mas também pelo comportamento transferencial. Na contratransferência, incluem-se todos os fenômenos que aparecem no terapeuta como emergentes do campo psicológico que se configura na sessão; são as respostas do terapeuta às manifestações do cliente, o efeito que tem sobre eles. A contratransferência não constitui uma percepção, em sentido rigoroso ou limitado do termo, mas sim um indício de grande significação e valor para orientar o terapeuta no estudo que realiza. Sob a ótica da teoria Analítica Junguiana, estudamos que devido ao rompimento com Freud, Jung não considerava a transferência importante para o processo psicoterapêutico, pois acreditava que poderia obter o material que necessitava através de sonhos ou desenhos.

JACOBY (1984) cita o que Jung relata em uma de suas conferências no ano de 1935: “Uma transferência é sempre um obstáculo, nunca uma vantagem. Você cura apesar da transferência, não por causa dela (…) se não houver transferência, tanto melhor. Não, é a transferência que possibilita ao paciente trazer a luz os elementos; você obtém dos sonhos todo material que poderia desejar (…) eles trazem à tona tudo o que é necessário.” Posteriormente o próprio Jung considera estas opiniões exageradas e passa a aceitar a verdadeira importância da transferência para a psicoterapia e comenta: “Não é provavelmente exagero dizer que quase todos os casos que requerem um longo tratamento gravitam em torno do problema da transferência, e que o sucesso ou fracasso do tratamento parece estar essencialmente ligado a ele.” (JACOBY, 1984) Jung acreditava que a transferência nascia da falta de uma verdadeira relação humana entre analista e analisando, e aparecia para compensar esta ausência de comunicação entre eles. Sendo que a transferência aparece inicialmente nas relações parentais e, uma vez não integradas a personalidade do analisando, ele as projeta na figura do analista, e se este a responde de maneira emocional inconsciente, temos o que é denominada de contratransferência, ou seja, na abordagem Junguiana, o que caracteriza a contratransferência é a existência de uma projeção, dentro de uma relação terapêutica, com o intuito de descrever a resposta emocional inconsciente do analista ao analisando.  Jung ainda coloca que esta não deve ser evitada, porém o analista tem que estar o mais consciente possível deste processo, para que a análise aconteça satisfatoriamente.   Ainda, na teoria Junguiana, encontramos vários conceitos sobre a contratransferência:

  • Contratransferência ilusiva: o analista não percebe (inconsciente) que projeta /contratransfere para seu cliente conteúdos que são seus, ou seja, não é capaz de ter um insight significativo;

  • Contratransferência sintônica ou adequada: é uma interação com a transferência do cliente, o que é benéfico para o processo psicoterapêutico;

  • Contratransferência concordante: o analista é espontâneo com seu cliente, desde que este realmente necessite disto, e “use” seu analista de acordo com o que busca dentro do simbolismo de um setting terapêutico;

  • Contratransferência complementar: quando o sentimento do analista poderá ser uma reação ao estado interno do analisando.

Percebe-se que, apesar de Jung, a princípio, não considerar a transferência e contratransferência importantes para a análise; com o tempo e seus estudos, percebeu que os mesmos são indispensáveis, pois uma relação analítica só se dá com a soma do relacionamento humano mais os processos de transferência e contratransferência, sendo assim o analisando promove sua própria cura [1] , pois “… qualquer analista Junguiano sabe que sua função não é curar. O auxílio só poderá vir por meio de uma transformação da atitude do paciente através da obtenção de um relacionamento correto com seu subconsciente.” (JACOBY, 1984)   Já na abordagem da Gestalt-terapia, o terapeuta e seu cliente são dois “parceiros” envolvidos numa relação dual autêntica, mesmo que seus estatutos e seus papéis sejam diferentes: este é um dos pontos que caracterizam a Gestalt-Terapia.   O gestalt-terapeuta não procura compreender o sintoma e, assim procedendo, não procura sustentá-lo, justificando-o, nem procura eliminar o sintoma ou ignorá-lo, ele se dispõe a explorá-lo com seu cliente, compartilhando essa aventura a dois, numa relação de simpatia.   Portanto, a Gestalt estimula a simpatia: o terapeuta está presente como pessoa, numa relação atual “Eu/Tu” com o cliente, ele desperta a awareness[2] deste último para sua inter-relação com o meio. O terapeuta explora deliberadamente sua própria contratransferência como motor do tratamento. Pode-se dizer que o terapeuta está “centrado no cliente”, mas também “centrado em si mesmo” atento àquilo que sente pessoalmente, no instante, perante seu cliente e possivelmente compartilha com ele uma parte do que sente.  

Não é tarefa do terapeuta manter o cliente em um itinerário determinado, mas ajudá-lo a aproveitar ao máximo aquilo que encontrar no caminho de sua terapia, pelo menos identificar melhor os obstáculos e os perigos, distinguir entre evitações inoportunas e desvios necessários, selecionar as descobertas aproveitáveis após voltar de cada expedição.   Se a interação é atual e mútua, como fica na Gestalt, o problema da transferência?   Em primeiro lugar, a transferência em Gestalt não é vista como um termo isolado de seu contexto. A teoria da Gestalt tem enfatizado bastante que “o todo é diferente da soma de suas partes” – cada uma destas só faz sentido em relação ao conjunto. – para que haja prudência quando se usar este termo psicanalítico num contexto sensivelmente diferente.   Seja lá como for todos os autores concordam em enfatizar o lugar central do encontro, da relação estabelecida entre o cliente e seu terapeuta, em qualquer psicoterapia, esse encontro não pretende modificar os eventos, mas a percepção interna do cliente dos fatos e seus múltiplos significados possíveis, é claro que as intervenções do terapeuta não pretendem transformar a situação exterior, mas a experiência pessoal que dela tem o cliente. O trabalho psicoterápico favorece, portanto, uma re-elaboração do sistema perceptivo individual, mas essa nova apercepção de uma dada situação não implica na utilização de mecanismos transferenciais como recurso terapêutico.   O que acontece realmente não é que o paciente neurótico “transfere” sentimentos que experimentava pela mãe ou pelo pai para a mulher ou para o terapeuta, pode-se dizer que o neurótico, em certos domínios, nunca ultrapassou certas modalidades estreitas e limitadas da experiência característica da criança pequena, em conseqüência, posteriormente, ele percebe a mulher ou o terapeuta através das mesmas “lentes” deformadoras e restritivas através dos quais percebia o pai e a mãe. Este problema deve ser compreendido em termos de percepção e de modo de se relacionar com o mundo.   Em suma, o vestígio do passado não é negado, ele emerge regularmente (“gestalts inacabadas”), mas só tem interesse tal como se manifesta hoje, no presente, matizado pela situação particular do momento e pelas posições específicas dos personagens em relação. Por isso, o trabalho psicoterapêutico não objetivará apenas atualizar as lembranças enterradas (o por que), mas também observar as circunstâncias e as distorções da relação presente (o como). Enquanto o cliente, no mais das vezes, está focalizando no conteúdo de seu discurso ou de sua ação, o gestalt-terapeuta se interessa mais pela forma, pelo processo em curso.   A maioria dos gestaltistas não contesta a realidade, até mesmo a importância dos fenômenos transferenciais, mas se perguntam sobre a oportunidade de sua exploração deliberada. Trata-se então de uma escolha de estratégia terapêutica, o que pode ser utilizado ou deixado em segundo plano.   Com relação à contratransferência, o gestalt-terapeuta pode expressar o que sente na situação do momento, como um desvendamento deliberado da pessoa num envolvimento autêntico, embora controlado e seletivo (“penso tudo que digo, mas não digo tudo que penso”). Assim, estabelece-se uma relação pessoal atual, parcialmente inserida na realidade intersubjetiva entre cliente e terapeuta, estando, ao mesmo tempo, de alguma forma:

Em empatia com o cliente, ou seja, “nele ”Em congruência comigo mesmo, ou seja, “em mim ”Em simpatia na relação Eu/ Tu, ou seja, “entre nós”.

O terapeuta utiliza sua própria vivência como ferramenta de trabalho, explora os sentimentos ou o impacto despertado pelo cliente, utilizando-se destes como material de trabalho. Assim, a contratransferência vem a ser mais um instrumento a beneficiar o processo terapêutico e a relação terapêutica.   O terapeuta está atento para explorar deliberadamente sua contratransferência, especialmente por uma awareness permanente do que ele mesmo sente, emocional e corporalmente, repercutindo o comportamento verbal ou gestual do cliente.  

CONCLUSÃO   Tendo a oportunidade de discutir as três abordagens, Psicanalítica, Analítica Junguiana e Gestalt-terapia, dentro dos conceitos de transferência e contratransferência, podemos perceber que elas são ao mesmo tempo semelhantes e antagônicas.São recursos técnicos muito diferentes (neutralidade / posicionamento frente a frente ou com divã // reducionismo / reducionismo + visão finalista) de como cada linha aborda as questões vivenciais trazidas pelo cliente; muito embora, a finalidade de ajudá-lo, a se entender e se transformar, esteja presente em todas as abordagens A partir daí conclui-se que, na Psicanálise, a transferência ocorre quando o cliente traz para as sessões sentimentos e emoções do passado que se identificam com o terapeuta. Freud interpreta a transferência através do por que”, numa visão causalista, deixando emergir os significados representados pelo cliente. A transferência se remete à infância através do Complexo de Édipo e, mais tarde, entre cliente e terapeuta durante a análise. Jung, neste ponto diverge de Freud, pois não acredita que a transferência seja somente projeções das experiências na primeira infância (método reducionista[3]), mas também, conteúdos das experiências pessoais, o que chamou de inconsciente pessoal e do inconsciente coletivo. O trabalho na Gestalt-terapia não objetiva apenas atualizar as lembranças enterradas (o por que), mas também observar as circunstâncias e as distorções da relação presente (o como), ou seja, diverge da Psicanálise e se assemelha a teoria Analítica Junguiana, pois também descarta o método reducionista.

  Por fim, outra grande divergência aparece entre as teorias Psicanalítica e Junguiana, em relação a contratransferência, a Psicanálise a reconhece, porém não a trabalha com o cliente, tratando-a com neutralidade e distanciamento, a fim de não interferir no processo terapêutico. Já Jung acreditava que a contratransferência, não deveria ser evitada durante a análise, porém o analista deveria ter cuidado e estar o mais consciente possível deste processo, e até mesmo poderia utilizar os sentimentos contidos na contratransferência na relação com seu cliente sempre que fosse pertinente. Assim como na abordagem junguiana, também na Gestalt- Terapia o terapeuta não é neutro, está centrado no cliente, e centrado em si mesmo, atento àquilo que sente pessoalmente, no instante, perante seu cliente e, possivelmente, compartilha com ele uma parte do que sente, ele interage, embora não seja ele quem fixa a direção do trabalho, está à disposição do cliente para acompanhá-lo no trajeto que este último determina, seu papel é permitir, favorecer, compreender e acompanhá-lo, conservando sua própria alteridade[4]. Possibilitando que o cliente torne-se mais ele mesmo, descoberto, revelado, graças à interação; se estiver transformando terá, sobretudo “forma melhor”; o que Jung chama de individuação, processo que “… envolve uma consciência crescente da nossa realidade psicológica única, incluindo as forças e as limitações pessoais, e, ao mesmo tempo, uma apreciação mais ampla da humanidade em geral.” (SHARP, 1991)   Contudo, é possível concluir que as três abordagens reconhecem a existência da transferência e contratransferência, no entanto a condução durante as sessões terapêuticas são diferentes, mas não podemos esquecer que todas visam o bem estar bio-psico-social do analisando.


 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BLEGER, J. – Temas de Psicologia: Entrevista e Grupos – São Paulo, Martins Fontes, 1995. JACOBY, M. – O Encontro Analítico: Transferência e relacionamento humano (Tradução de Claudia Gerpe Duarte) – São Paulo, Cultrix, 1984. KOLB  – Psiquiatria Clínica – Rio de Janeiro, 1997. LOPEZ – Avaliação crítica das doutrinas psicanalíticas – Fundação Getúlio Vargas – Rio de Janeiro, 1964. SHARP, D. – Léxico Junguiano: Dicionário de termos e conceito (Tradução de Raul Milanez) – São Paulo: Cultrix, 1991. SIMON, R. – Introdução a Psicanálise: Melanie Klein – EPU, 1996. [1] – Cura – Em geral, significa transformação da doença em saúde. Jung referia-se ao preconceito de que a ANÀLISE provê algo parecido com a cura e de que , uma vez terminada, a pessoa pode esperar estar objetivamente “curada”. Porém, para Jung, isto não significa cura “definitiva” e sim um “processo de cura”, pois a vida sempre traz novos obstáculos a serem confrontados. [2]Awareness = a possibilidade de aperceber-se do que se passa dentre de si e fora de si no momento presente, tanto a nível corporal, quanto a nível mental e emocional. [3] Método reducionista = através do método redutivo, tenta revelar as bases ou raízes primitivas, instintivas, da motivação psicológica através do pensamento causalista, buscando o por que, o significado do sintoma, por exemplo. [4]Alteridade = Abertura para o outro em mim, fora de mim ou além de mim. O impacto que o outro, que é distinto, provoca em mim, revelando uma faceta em mim que anteriormente era desconhecida.

 
 
 

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